quarta-feira, 2 de março de 2011

Memórias de professores

Quem quer ser como a Ana?

Gosto de criar laços com os alunos, gosto quando me cumprimentam na rua e me reconhecem um tempo depois de lhes dar aulas. Não me acontece frequentemente, até porque sou professor itinerante (ora aqui, orá acoli) e desterrado (ora longe, ora ainda mais longe). Mas gosto.

Ana envolveu-se com os seus alunos e famílias. Cinco anos de direcção de turma. Cinco anos é um bom tempo para tal acontecer.

Mas será que eu quero ser como a colega Ana?

Até onde temos que ir na Educação escolar? Somos professores, transmitimos e aprendemos e é essa a nossa principal tarefa. Depois fazemos o que quisermos para além disso.

Há quem leve os alunos a consultas. Há quem lhes dê sempre o lanche. Há quem empreste dinheiro aos pais. Há quem os vá buscar a casa.

E ponho-me a pensar: uma vez sem exemplo, tudo bem, há casos e casos. Mas muitos que eu conheço são abusivos:
- Não mandam lanche porque a professora dá;
- É preciso levar o miúdo ao Psicólogo fora da escola? A professora que o leve. "Já levou o João e a Rita, também leva o meu";
- Não mandam a mochila com o filho - o professor desenrasca umas folhas e umas canetas e os livros ficam na escola - "não faz os trabalhos de casa, não precisa deles aqui para nada".
- Etc, etc...

Será que há um meio termo? Acredito que sim, um equilíbrio saudável.

Mas casos como estes que "satirizei" atrevo-me a dizer que fazem mais mal do que bem: põe todos os professores em cheque!

E já sabem que há sempre quem abuse. E tanto abusam que passa a ser hábito e ficamos "obrigados" a fazê-lo.

Mais funções para os professores? Não, obrigado!


Um artigo de Armanda Zenhas no Educare:

"Cinco anos depois, o telefone tocou: "Professora, é a Maria, a sua aluna daquela turma de há cinco anos. Tenho estado com alguns colegas meus e resolvemos fazer-lhe uma surpresa. Queremos convidá-la para vir tomar o pequeno-almoço amanhã, sábado, numa esplanada, ao pé do mar. Pode vir?". "Claro.", respondeu Ana, feliz com a surpresa. Lembrava-se bem da turma. Tinha sido sua diretora durante os cinco anos dos 2.º e 3.º ciclos. Tinham sido cinco de anos ligação aos alunos e às suas famílias. Cinco anos em que tinha acompanhado cada um dos jovens e dos seus problemas, dos escolares e também dos familiares e de saúde, que acabavam por se repercutir na escola. Cinco anos em que, por isso também, tinha conhecido bem os pais e as famílias, com quem tinha contactado regularmente, para que pudesse haver uma verdadeira colaboração entre a escola e a família no acompanhamento da vida escolar de cada um dos jovens.


Entre a noite do telefonema e a manhã do encontro (pouco mais de doze horas), as memórias sucederam-se. As reuniões que sempre fazia com pais e alunos, tentando debater temas de interesse mútuo e correspondentes a necessidades dos jovens e das suas famílias. O ambiente de confiança que se foi estabelecendo entre a escola e os alunos e as famílias ao longo desse trabalho. Os debates, a apresentação de trabalhos dos alunos, os convívios: de tudo havia um pouco nessas reuniões, a que poucos encarregados de educação e poucos alunos faltavam. A festa de fim de ano letivo, num sábado à tarde, com jogos tradicionais e uma churrascada, em que os pais se encarregavam de grelhar a carne e as mães tratavam das saladas (e das mesas), enquanto os alunos tratavam dos jogos e de outras diversões.

Outras memórias brotaram. Memórias de alunos a quem surgiram problemas de saúde mais ou menos graves e que a escola apoiou durante e depois da doença, o apoio dado aos pais e aos alunos por Ana, diretora de turma, para que ultrapassassem os problemas escolares e a sua tentativa de contribuir para diminuir também os emocionais. Memórias de alunos com características especiais: este escrevia muito bem, aquele tinha uma consciência já muito grande dos problemas sociais, outro era muito revoltado e acabava por dar os seus 'tiros' às aulas e fazer as suas tropelias. Memórias de uma turma que se foi tornando unida, fruto de um trabalho de cinco anos, e que procurava ajudar qualquer colega que sentisse em dificuldades ou integrar qualquer novo aluno, fazendo-o com grande empenho e sempre com sucesso. Memórias de algumas tropelias coletivas, como daquela vez em que Ana e outro professor levaram a turma a passar um fim de semana numa pousada da juventude. Memórias de um trabalho coletivo com esse colega, também professor dessa turma durante esses cinco anos, e também convidado pelos alunos para o encontro desse sábado de manhã.

Como estariam os alunos? Que modificações que lhes teria produzido a idade? Que recordações teriam destas memórias de Ana?

Sábado de manhã chegou. Primeiro, a observação física, as modificações de adolescentes a transformarem-se em adultos. Depois, as novidades: uns estavam na universidade, outros ainda no 12.º ano... Outros tinham ido trabalhar. O tempo foi pouco para confrontar memórias, mas foi o suficiente para reviver algumas e, principalmente, para reviver e confirmar afetos. Cinco anos depois, estar com aqueles alunos fazia parecer que o tempo não tinha passado. A união mantinha-se, o afeto estava bem vivo.

Para Ana, aquela manhã, com aqueles alunos, foi uma verdadeira terapia para recuperação de energias. No seu espírito, um pensamento bem nítido: 'É verdade que o tempo não está fácil para os professores. É verdade que esta profissão está cada vez mais desvalorizada pela sociedade. É verdade que as ameaças, os insultos e as agressões aos professores se sucedem - como vai contando a comunicação social, quando as coisas até ela chegam - sem que, muitas vezes, os infratores sofram as devidas consequências. Mas, quando um professor, cinco anos depois, recebe um telefonema para um encontro assim, tem que sentir que vale a pena ser professor. Na sua memória, ficaram aqueles alunos, mas ela ficou também na deles. Ana sentiu e sabe que lhes ensinou muitas coisas: a matéria que ensinava, valores e afetos. Os cumprimentos mandados pelos pais dos alunos para Ana (e que ela retribuiu) mostram que a memória positiva que ela guarda deles é recíproca e que vale a pena trabalhar com as famílias pelo sucesso dos alunos e que esse trabalho, não sendo fácil, é gratificante e é reconhecido por quem o vive. Sim, ser professor, apesar de todos os contratempos e dos tempos adversos, vale a pena. Este encontro, cinco anos depois, comprovou-o."

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Abraço!

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