quarta-feira, 27 de abril de 2011

“Há uma permissividade quase total na escola”

Encontrei esta entrevista no Semanário Regional Mirante a um antigo colega nosso, agora reformado.

Começou nos velhos tempos e fala da sua experiência de vida.

Tem opiniões bastante válidas e não é um "ilustre pensador/opinador" sem experiência como se vê muito por aí.

A entrevista é longa e só transcrevo a parte que diz mais respeito à Educação, mas podem ler o resto, continua a ser interessante, aqui.



"Quando estudava também levou reguadas e puxões de orelhas?

Era a prática, mas ninguém fazia queixa em casa porque ainda levava mais do pai. Era um exagero. Temos que reconhecer que não era método. Houve miúdos que ficaram marcados para o resto da vida e que ainda hoje, passados muitos anos, têm pesadelos com os professores e a escola. Conheço uma pessoa nessa situação.


Hoje a realidade é bem diferente.

Há uma permissividade quase total. A indisciplina é generalizada nas escolas, os professores têm dificuldade em controlar os alunos, perdem uma boa parte da aula a mandá-los calar e estamos numa situação insustentável. A primeira grande reforma que o Ministério da Educação deve fazer é meter ordem nas escolas, que estão num caos, e reforçar a autoridade do professor sem deixar de reprimir abusos que possam existir. O professor tem que ter autoridade porque é uma referência na educação da criança.

Nessa altura já havia indícios do que chama o caos que reina hoje nas escolas?

Nunca pensávamos muito nisso, mas às vezes até dizia a alguns colegas professores que não fossem demasiado exigentes com determinados aspectos porque algum dia íamos ter um fim triste. E efectivamente chegamos a um extremo em que o ambiente nas escolas é muito mau. Gerou-se um clima de excessiva competitividade entre professores por causa entre outras coisas da progressão na carreira. E se o ambiente é mau entre professores não pode ser bom para os alunos.

Quando andou no liceu o ensino era muito mais rígido.

Tive professores excelentes que tinham métodos e organização de trabalho avançados para a época e que ainda hoje estão actuais. As aulas começavam em Outubro mas em Setembro já estávamos ansiosos que as férias acabassem porque gostávamos de ir para as aulas e sentíamo-nos bem na escola.

Quando começou a dar aulas não havia problemas entre professores?

Vivíamos um clima de camaradagem e amizade que tentei fomentar sempre enquanto estive a dirigir a Escola Febo Moniz de Almeirim. Tinha um cuidado especial no acompanhamento de colegas que estavam a começar a profissão, porque me recordava dos tempos em que comecei e das dificuldades que tive. Hoje as pessoas fogem da escola.

Já não há um amor à causa da educação…

Numa altura em que não eram obrigatórias as aulas de substituição consegui que algumas se efectuassem em regime de voluntariado. Hoje nem a pagar as pessoas querem.

“Todos passámos um mau bocado” na antiga escola Febo Moniz

Esteve 13 anos no conselho directivo da Escola Febo Moniz, dos quais 11 como presidente. Como é que aguentou dirigir uma escola de salas pré-fabricadas onde as condições eram muito más?

Era um drama. Tinha pena pelos professores, funcionários e alunos. Todos passámos um mau bocado naquela escola. Quando chovia muito chegava a haver inundações e às vezes era necessária a intervenção dos bombeiros. No Verão as temperaturas nas salas eram altíssimas e ainda houve alguém que teve a ideia de construir uns pavilhões de madeira pintados de preto. Mas os arquitectos e engenheiros não viam que aquilo era impossível. Uma vez entrei nessa sala e o suor corria-me em bica. Mandei toda a gente para casa e assumi a responsabilidade.

Não chegou a trabalhar na nova escola.

Reformei-me na altura em que a escola é atingida por um vendaval que destruiu as coberturas das salas. Foi um contributo do São Pedro para que se avançasse para a construção de uma nova.
Tinha um ar muito reservado, dando a ideia de austeridade. Era uma forma de impor o respeito?
Hoje estou um bocado mais expansivo, mas naquele tempo era mesmo assim. Mas essa impressão desfazia-se logo que as pessoas falavam comigo. Recebia toda a gente de braços abertos.

Tem saudades da escola?

Tenho sobretudo saudades do convívio com os colegas. Tenho colegas que se reformaram e nunca mais puseram os pés na escola. Eu ainda hoje vou à escola onde tenho colegas do meu tempo. Hoje aquilo é um luxo comparado com o meu tempo, em que era uma vergonha.

Alguma vez teve que puxar as orelhas a algum aluno?

Tive, tive. Havia lá uns malandrecos. Tive que pôr alguns em sentido. Às vezes encontro alguns deles que me falam disso. Acho que ninguém gosta de tomar medidas drásticas, mas às vezes é necessário.

Mas não havia problemas graves de indisciplina…

Já havia na altura. Havia uns alunos que eram potenciais delinquentes e que agora são adultos responsáveis com uma vida extraordinária.
Se calhar alguns não se perderam por haver alguma rigidez do conselho directivo.
O professor tem um papel importantíssimo na sociedade. O professor tem que ter consciência e também dar o exemplo mesmo na sua vida particular.

E dão o exemplo?

Hoje as pessoas talvez não tenham essa noção. Os professores não dão o exemplo até pela forma como se apresentam. Não sou reaccionário nem demasiado conservador, mas tem que haver o mínimo de dignidade.

A maneira como se apresentam tem influência no respeito que devia haver nas escolas?

Isto é um meio pequeno. Um professor que vive ao lado dos seus parceiros, dos seus alunos, dos pais de alunos e se dá o mau exemplo não é respeitado por estes e isso é mau.

Foi para a reforma porque já estava farto de aturar alunos?

Foi por saturação e desencanto. O trabalho docente é muito desgastante e já não tinha a energia que tinha no início da carreira. Depois comecei a aperceber-me que os alunos nos chegavam cada vez com menos preparação, desmotivados, sem interesse. Isso começou a criar-me alguma desilusão. Mas também porque tinha problemas familiares a que tinha que me dedicar a tempo inteiro.

Quando é que começam os problemas de relacionamento dos alunos com os professores?

O 25 de Abril foi uma rolha que saltou de uma garrafa de champanhe, extravasou e as coisas ainda não assentaram. Era complicado na altura dar aulas. Muitos deixaram de fazer trabalhos de casa, de estudar…

É nesta altura que o sistema de ensino se começa a degradar…

Quiseram inovar e fazer uma ruptura com o passado. Mas hoje em dia chega-se à conclusão que o sistema do antes do 25 de Abril não era tão mau como se dizia. Actualmente sentimos muito a falta de técnicos porque acabaram com as escolas industriais e fizeram o chamado ensino unificado. Deixou-se de formar bons técnicos.

Os professores devem ser avaliados?

Devem. Mas o sistema de avaliação que foi instituído era demasiado burocrático e veio criar dificuldades, até em termos de relacionamento entre as pessoas. Devem ser avaliados porque nas escolas há os que fazem muito e outros que só fazem o mínimo e ganham o mesmo."
...

Abraço!

Sem comentários:

Enviar um comentário

Porque me interessam outras opiniões! Tentarei ser rápido a moderar o que for escrito, para poder ser publicado.