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A expressão do título não é uma invenção minha, é de um amigo. Entretanto, considero-a graficamente tão expressiva que já faz parte do meu repertório há algum tempo. Quem quer que tenha entrado numa igreja barroca, certamente reparou que os anjos que lá se encontram só têm rosto e asas. Não possuem corpo. Pois bem, é assim que, muitas vezes, as escolas concebem as crianças. Ou seja, como se elas só tivessem cabeça e como se o corpo, simplesmente, não existisse. Basta observar, com atenção, a maioria dos espaços físicos das escolas. É comum a preocupação em oferecer edifícios modernos, equipamentos de última geração, instalações e mobiliário de primeira categoria, enquanto que os espaços para brincar são, frequentemente, acanhados e até empobrecidos. E, surpreendentemente, quanto menores são as crianças, menor parece ser também a preocupação com estas áreas, já que, com frequência, são ridiculamente inadequadas. É um facto cientificamente comprovado que o desenvolvimento do cérebro é sensível à quantidade e ao tipo de estimulação que o organismo recebe, sobretudo, na infância. Por exemplo, experiências demonstram que ratos que vivem num ambiente experimental complexo, com mais desafios, desenvolvem um maior número de arborizações sinápticas do que os que vivem em ambientes pobres. Por outras palavras, os seus neurónios estabelecem mais conexões com outras células nervosas, formando redes neurais mais intrincadas e extensas. Portanto, a riqueza e diversidade do ambiente refletem-se, de forma salubre e vital, na constituição anatómica do cérebro. Dito de outra forma, o ambiente pode favorecer o desenvolvimento neurológico ou prejudicá-lo. Embora reconhecendo que uma análise crítica rigorosa das áreas de recreação escolar possa gerar, potencialmente, assunto suficiente para encher alguns livros, irei limitar-me a fazer apenas dois breves reparos, referentes aos tipos de piso e à presença da natureza nestes sítios. São raríssimas as escolas que oferecem solo orgânico e irregular nas áreas de recreio. Na infância, as crianças devem poder brincar em terrenos com irregularidades e desníveis, uma vez que estas superfícies favorecem o desenvolvimento do equilíbrio e dos ajustes posturais adaptativos, contribuindo, assim, para uma organização neurológica saudável. O sistema nervoso central precisa de ser desafiado por chão que exija adaptações inesperadas e constantes de postura. No entanto, como a grande maioria das escolas oferece apenas pátios de cimento ou de piso cerâmico, nas áreas de recreação, as crianças só brincam em piso plano e nivelado. Ficam, por isso, e a cada passo, destituídas da oportunidade de traduzir o estímulo do piso em possibilidades de estabilidade. Além disso, as plantas dos pés das crianças mais pequenas precisam de estimulação. Por isso, é importante, durante a infância, andar descalço em solo orgânico, sempre que o clima permita. Tal proporciona o contacto direto com uma diversidade de texturas, densidades, temperaturas e contornos que massajam a planta do pé, à medida que a criança anda. E, como a representação da planta do pé no córtex sensorial é relativamente extensa, em comparação com outras partes do corpo, e suas projeções nervosas para outras áreas também, a estimulação da planta dos pés contribui para manter o tonus cortical ativado. É lamentável que na cultura ocidental, sobretudo nos centros urbanos, as crianças não tenham mais o hábito de andar descalças. Começam muito cedo a usar sapatos, privando, assim, a sola do pé desta estimulação benéfica. Além de possuírem solo orgânico irregular, as áreas de recreação devem ser amplas e desimpedidas, de modo a serem um convite à corrida. Correr é natural da cultura da infância. Se há espaço e se sentem livres, seguros e bem dispostos, os miúdos preferem deslocar-se em grande velocidade. Isso também é importante para o desenvolvimento do equilíbrio, mas há outros benefícios. Sabe-se, por exemplo, que os exercícios aeróbicos são altamente benéficos para o sistema cardiovascular. Além disso, a atividade física vigorosa favorece a produção de substâncias no cérebro denominadas endorfinas, que melhoram a memória, aumentam a resistência, a capacidade do sistema imunológico e a disposição física e mental, além de proporcionar uma sensação de alegria e bem-estar que mantém a mente mais predisposta para aprender. Mas se não há espaço, ou se a área é obstaculizada com excesso de brinquedos que impedem a corrida, as crianças nunca correm, limitando-se a andar ou brincar no mesmo lugar. O segundo aspeto sobre o qual eu gostaria de refletir é a importância da presença da natureza no lugar onde as crianças brincam, isto é, onde elas possam manusear as pedrinhas, sementes e amêndoas, apalpar as diferentes texturas das ervas, cavar na terra, juntar gravetos e tocos, aspirar os diferentes aromas, caminhar sob as sombras de árvores e observar os insetos em seu habitat. Brincar na Natureza e com a Natureza precisam de estar presentes nas escolas. Contudo, não é isso que, com frequência, acontece. Não seria exagero afirmar que a maioria das escolas impõe às crianças um regime de apartheid ou de segregação com a Natureza. Raramente se vê nos espaços de recreio árvores e plantas e, quando as há, geralmente encontram-se em vasos ou fazem parte de algum jardim ou de um canteiro, onde não se pode nem pensar em pisar. E o que dizer de escolas que têm pátios com relva sintética? Que horror! Será que ninguém se pergunta que conceção de educação e de criança se esconde por trás desses quadros deprimentes? A única conclusão lógica a que se pode chegar, a meu ver, é a seguinte: que escolas destituídas de natureza e que oferecem apenas recreação em betão, com pátios cimentados, pisos planos, paredes monocromáticas, espaços mal ventilados e janelas altas ou cobertas que, muitas vezes, não permitem ver o lado de fora e até obrigam à substituição da iluminação do sol pela luz elétrica, revelam uma forma subtil de depreciação. Por outras palavras, desprezam a Natureza ou, na melhor das hipóteses, tratam com indiferença perversa a relação da criança com a Natureza. É bem verdade que nos últimos anos se tem ouvido falar muito da chamada educação ambiental, mas que ilusão! Na educação fabril de anjos barrocos isto não passa de uma disciplina quimérica, que aborda o assunto por meio de livros e de aulas teóricas, e que pretende que as crianças aprendam sobre a Natureza, ouvindo palestras, assistindo a vídeos, apresentações de PowerPoint e observando fotografias. Chega a ser burlesco! Como se pode esperar que as crianças aprendam a respeitar o que não conhecem intimamente?" |
terça-feira, 31 de maio de 2011
Um olhar sobre o espaço das Escolas
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