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Armanda Matos: “O cyberbullying acompanha as crianças e os jovens até casa” |
Andreia Lobo - Educare |
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"Pode ser um problema multiplicado tantas vezes quantas o meio permitir. Emails insultuosos. SMS difamatórios. São exemplos de agressões que praticadas de forma repetida podem ser consideradas atos de cyberbullying e estar a vitimizar qualquer jovem e criança. |
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A intenção pode ser a de agredir, ameaçar ou insultar a vítima. O cyberbullying "é um ato agressivo intencional perpetrado através do recurso a dispositivos eletrónicos de comunicação, como a Internet e o telemóvel", define Armanda Matos, investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra.
Mas algumas situações de cyberbullying podem estar a ser "encaradas com alguma ligeireza", alerta a investigadora que, em Portugal, integra uma equipa que participou na elaboração de um manual europeu sobre esta problemática. "Qualquer suspeita de que possa estar a acontecer um ato de cyberbullying tem de ser levada muito a sério."
"Agir Contra o Cyberbullying", assim se intitula o manual, foi pensado para a formação de formadores que trabalham a problemática com diferentes grupos-alvo: pais, famílias, escolas, jovens e crianças. Inserido no projeto CyberTraining, a criação do manual envolveu oito países: Alemanha (coordenação), Portugal, Espanha, Reino Unido, Irlanda, Bulgária, Suíça e Noruega. E foi apoiado pela Comissão Europeia através do Lifelong Learning Programm e do sub-programa Leonardo da Vinci.
A importância do tema tem suscitado a atenção de Bruxelas. Depois da elaboração do manual, os países envolvidos na iniciativa vão agora desenvolver cursos de formação em dirigidos aos pais. "As situações de cyberbullying estão envoltas em algum secretismo, as vítimas e os agressores não contam a ninguém o que está a acontecer. Mas quando contam, fazem-no aos pais." E, aqui reside, segundo Armanda Matos, a justificação para este novo projeto.
A participação portuguesa no CyberTrainning for Parents fez-se através da mesma equipa da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra, que participou na criação do manual. Para além de Armanda Matos, Teresa Pessoa e João Amado compõem o grupo de investigadores portugueses.
Portugal terá a seu cargo a avaliação dos cursos que já estão a ser implementados nos diferentes países envolvidos no projeto. Armanda Matos adianta que estes cursos podem vir a acontecer em sessões presenciais mas também em regime de e-learning. Vão também ser dirigidos a formadores de pais. "Com vista a ter um efeito multiplicador", explica.
Em entrevista ao EDUCARE.PT, Armanda Matos, investigadora na área da educação para os media e das tecnologias da informação e comunicação, lançou algumas pistas para a compreensão do cyberbullying. Um fenómeno desvalorizado que faz da Internet um aliado cruel.
EDUCARE.PT (E): O que é o cyberbullying?
Armanda Matos (AM): É um ato agressivo intencional perpetrado através do recurso a dispositivos eletrónicos de comunicação, como a Internet e o telemóvel. Um dos critérios para se considerar estarmos perante uma situação de cyberbullying é o facto de esses atos acontecerem mais do que uma vez. Essa repetição pode ser quantificada através do número de vezes em que uma mensagem insultuosa ou imagens colocadas online são encaminhadas e visionadas.
E: Uma repetição que sendo feita através da Internet pode ser infinita...
AM: Para além deste aspeto da repetição, há a intenção de agredir, ameaçar ou insultar, enfim, de causar danos à outra pessoa.
E: Que formas assume?
AM: Depende do critério a considerar. Se nos centrarmos nos dispositivos utilizados podemos distinguir entre o cyberbullying cometido através da Internet, dos chats, do e-mail, das redes sociais, ou através do telemóvel, por SMS ou MMS enviados.
Mas podemos falar em diferentes modalidades em função da ação que é exercida. E, nesse caso, podem ser atos que visam o denegrir a imagem do outro, enviando mensagens ou colocando imagens que, de alguma forma, são insultuosas. Podem ser atos que consistam em discussões muito inflamadas no Messenger, ou na violação da privacidade e divulgação de dados ou de informação pessoal.
E existe ainda a despersonificação que é o ato de tomar a identidade da vítima e enviar e-mails ou mensagens fazendo-se passar por ela, dizendo mal dos seus amigos, e colocando-a numa situação muito delicada. Portanto, existem diferentes formas de exercer atos deste género recorrendo às tecnologias da informação e comunicação.
E: Este tipo de atos é mais comum do que se pensa?
AM: É mais comum do que se pensa porque as características do cyberbullying não estão devidamente divulgadas. Por isso, é natural que aconteçam atos deste género em diferentes contextos, mas que não são assim catalogados por não existir essa informação.
Em termos de frequência, há números diversos, porque as investigações partem de diferentes conceitos e instrumentos para medir o cyberbullying. Por exemplo, uma coisa é perguntar se no último ano foi vítima de alguma ação deste género, outra é perguntar se alguma vez foi vítima de uma ação deste género. Isto conduzirá a resultados diferentes.
Mas há vários estudos que apontam para números que rondam os 10%, em diferentes países, sendo que um realizado pela Microsoft, em 2009, refere percentagens bem mais elevadas que rondam os 30%. Em Portugal, estão feitos estudos com amostras relativamente pequenas e que não são representativas, mas que têm apontado para os 6%.
E: De que modo se distingue do bullying?
AM: O cyberbullying tem várias características que lhe são específicas e que estão associadas ao seu impacto. Alguns autores consideram até que há um maior impacto no cyberbullying, embora esta posição não seja consensual. Uma das características é a possibilidade do anonimato, que não acontece sempre, mas verifica-se em muitas situações.
Por um lado, a vítima não sabe quem a está a agredir, a perseguir, a ameaçar ou a denegrir. Por outro lado, o agressor sente que está a atuar num ambiente relativamente protegido, uma vez que não sabem quem ele é. Esta situação deixa as vítimas numa grande vulnerabilidade. Outro aspeto interessante é que no cyberbullying o agressor tem assim poucas possibilidades de perceber as consequências dos seus atos, ou seja, o impacto que pode ter na vítima.
E: Enquanto no bullying o impacto é visível...
AM: E, por isso, a possibilidade de empatia em relação à vítima e de compreensão do seu sofrimento no cyberbulling é menor. Mas para além do anonimato, há outra característica que é particularmente importante: o facto de o cyberbullying poder ocorrer a qualquer hora e em qualquer lugar, ao contrário do que se passa com o bullying, onde há possibilidade de proteção uma vez que acontece nos recreios, nos pátios ou na saída da escola.
E: Para evitar o bullying pode-se mudar o aluno de escola...
AM: O cyberbullying também tem levado a consequências desse género. Mas o que acontece muitas vezes é que os atos de bullying estão associados aos de cyberbullying, ou seja, acontecem simultaneamente.
E: Alguns atos de cyberbullying são desvalorizados por serem vistos como brincadeiras. Isto é grave?
AM: Isso tem a ver com a falta de informação e a necessidade de sensibilização para a gravidade destes casos. Situações que podem ser encaradas com alguma ligeireza não o devem ser. Qualquer suspeita de que possa estar a acontecer um ato de cyberbullying tem de ser levada muito a sério. É obvio que quanta mais consciencialização houver para o problema mais fácil será identificá-lo e apoiar as vítimas.
E: É a pensar na consciencialização que surge o manual europeu "Agir Contra o Cyberbullying".
AM: O manual foi pensado de forma a responder às necessidades dos diferentes grupos-alvo a que se destina. A construção foi fundamentada em dois estudos. O primeiro envolveu uma análise de necessidades de formadores de diferentes países da Europa, e foi conduzido pela equipa portuguesa. O segundo estudo foi conduzido pela equipa alemã, que é a coordenadora do projeto, e juntou diferentes especialistas para conhecer o estado da arte em relação ao problema e as abordagens que têm sido adotadas em vários países, para lidar e intervir.
E: Disse que o manual não constituía um receituário...
AM: Porque deve ser usado de forma flexível conforme as necessidades dos formadores e dos formandos. Um formador que esteja muito familiarizado com as tecnologias da informação e comunicação (TIC) e as questões da segurança na Internet e vá trabalhar com os jovens que também utilizam as TIC e não tenham necessidade de conhecer os seus conceitos pode passar à frente o respetivo módulo. Se o formador vai trabalhar com pais pode começar diretamente no módulo que lhes é destinado ou aplicar alguma atividade interessante do capítulo dedicado aos jovens mas adaptando-a.
E: Os professores podem usar o manual nas suas aulas?
AM: Um dos capítulos tem mesmo como tema o trabalho com escolas. O objetivo é dar apoio, informação e recursos aos diversos agentes escolares - psicólogos, professores, equipas específicas ligadas a projetos que se desenvolvem nas escolas - para poderem fazer formação sobre cyberbullying. Existem muitas sugestões de atividades no manual que os professores podem desenvolver com os seus alunos.
E: O manual também se destina a trabalhar estas questões com os pais. Até que ponto isso é importante?
AM: É extremamente importante, porque o cyberbullying acompanha as crianças e os jovens até casa, não se circunscreve ao contexto escolar. As situações de cyberbullying estão envoltas em algum secretismo, as vítimas e os agressores não contam a ninguém o que está a acontecer. Mas quando contam, fazem-no aos pais. É muito menos frequente contarem aos professores ou a pessoas da escola. Por isso, os pais têm de saber o que fazer quando se veem confrontados com um filho que diz estar a ser vítima ou a vitimizar outros. E têm também de saber como detetar casos deste género, ou seja, que sinais e sintomas os filhos podem apresentar se estiverem envolvidos em situações deste género.
E: Quais são os sinais mais frequentes?
AM: Alterações bruscas de comportamento relativamente ao uso das tecnologias, estamos a falar de uma criança ou jovem que habitualmente passe muito tempo no computador e de repente o ponha de lado. Ou que se sinta ansioso depois de estar a trabalhar no computador ou de usar o telemóvel. Situações de isolamento em que as crianças ou os jovens evitem o contacto com as outras pessoas. E depois existem sintomas físicos, como a ansiedade, o stress, a dificuldade em ir para a escola, por dores de barriga ou de cabeça.
E: Mas esses são sintomas comuns ao bullying...
AM: Sim, sendo que o aspeto diferenciador são as mudanças de comportamento associadas à utilização das tecnologias.
E: Existem crianças e jovens mais vulneráveis ao cyberbullying?
AM: Há grupos mais vulneráveis, tanto ao cyberbullying como ao bullying, que requerem mais atenção por parte dos adultos. Crianças ou jovens que apresentem algum tipo de deficiência, ou necessidades educativas especiais, que normalmente não "alinham" nos interesses e nas brincadeiras dos colegas, ou seja, que tenham um perfil um pouco diferente e se afastem da corrente principal e grupos minoritários, como os imigrantes."
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