O título não é meu, mas deixei-o por ser sugestivo. No fim do texto vão perceber de onde veio.
Em defesa da Educação, João Esteves:
"O esperma feliz de Nuno Crato
João Lemos Esteves (www.expresso.pt)
1. Portugal vive assolado por uma grave crise financeiro - é um dado inquestionável. Todos devemos participar nos sacrifícios para reerguer a nossa Nação - é uma verdade, mas infelizmente, parece que o governo Passos Coelho tem mais coragem para atacar uns (os mais fracos) do que outros (os mais poderosos). Todavia, os cortes na despesa não podem ser cegos. Não podem comprometer o futuro do país e da nossa geração. A juventude portuguesa merece - e deve! - ser ouvida e respeitada neste processo. Mesmo em cenário de crise financeira, o governo - por muito liberal que seja! - não pode retirar o único instrumento de ascensão social para a grande maioria dos portugueses: a educação. E a aposta na educação passa por valorizar a escola pública, sem coarctar a liberdade de escolha individual. Passemos a desenvolver esta ideia.
1.1. Em primeiro lugar, reiteramos que qualquer política de educação em Portugal tem de colocar a escola pública num lugar central. Todos os dias ouvimos inúmeras críticas à escola pública - parece mesmo que nasceu um preconceito em relação a tudo que pertence ao Estado, ou seja, a todos nós. Parece que a escola pública é o problema central da educação no nosso país. Mas não é. Bem pelo contrário: a escola pública permitiu que Portugal registasse um acréscimo brutal no índice de escolaridade da nossa população, desde o início do processo de democratização. Foi a escola pública que formou muitos dos quadros, dos cérebros que Portugal não teve condições de fixar, dada a fraqueza do seu sistema económico. Foram os professores (que incluem os hoje tão ridicularizados "funcionários públicos") que todos os dias, dando o seu melhor, passando por enormes sacrifícios e tormentos pessoais, alimentaram e deram concretização ao sonho de milhares de portugueses em alcançar uma vida melhor. E muitos, com mérito, conseguiram. São as Universidades públicas portuguesas que merecem o respeito e a admiração das suas congéneres europeias e mundiais, aparecendo nos rankings das publicações com melhor crédito na matéria (v.g., do Financial Times). Não, caros leitores: a culpa dos falhanços da educação portuguesa não é da escola pública. Muito menos dos professores - cujo trabalho deve ser louvado e incentivado. O problema, caros leitores, é que o poder político brincou com a sua educação (ou dos seus filhos e netos).
1.2. Dir-me-á que a escola pública é excessivamente burocrática. Pois bem, mas a culpa é dos políticos que gizaram morosos procedimentos administrativos que, na prática, impedem os professores de tomar decisões com a brevidade necessária. Os professores, como funcionários do Estado, limitam-se a aplicar a lei que o poder político - insensível à realidade! - insiste em manter. Dir-se-á que a escola pública é indisciplinada. Pois bem, mas foi o poder político que aprovou o estatuto do aluno e um quadro legal que impede os professores de reporem a ordem na sala de aula sem serem penalizados. Tudo isto deve ser resolvido pelo actual governo para valorizar a escola pública - não para a prejudicar , diminuindo a sua qualidade a favor dos privados.
2. O memorando assinado com a troika prevê um corte significativo nas despesas com a educação, propondo o agrupamento de escolas e a dispensa de professores. Atenção: reorganização do parque escolar tem de ser feita com rigor, garantindo a qualidade de ensino a todos os portugueses, dotando as escolas dos meios necessários (nomeadamente laboratórios e bibliotecas) - sem (nunca!) esquecer os alunos com necessidades educativas especiais. Quanto aos professores, sou sincero: se para reforçar o ensino da matemática, do português e do inglês for necessário manter os professores (ou até contratar novos), preciso manter que o Estado gaste o dinheiro dos nossos impostos neste sector do que noutros menos relevantes. É possível cortar noutro tipo de despesa - por exemplo, consumos intermédios, assessores dos gabinetes ministeriais, empresas públicas - e manter uma escola pública apta a satisfazer as necessidades educativas dos jovens portugueses. O Estado deve-se preocupar com a escola pública em primeiro lugar. Qual, então, o papel da escola privada? De complementaridade: o Estado não deve hostilizar, mas não tem a obrigação de as promover. Aqui funciona a regra do mercado, reconhecendo-se a liberdade de escolha das famílias.
3.Por último, sabemos que o governo quer avançar com o cheque-ensino: ou eja, as famílias recebem um montante para financiarem, caso optem, a escola do seu filho, facilitando, assim, a inscrição em escolas privadas. Eu não concordo com tal medida: primeiro, o Estado não consegue garantir que as verbas que concede às famílias são exclusivamente canalizadas para a educação dos filhos; segundo, porque poderá a uma desresponsabilização do Estado pela promoção da qualidade de ensino e pela defesa da escola pública. Com efeito, a escola pública poderia, em tal cenário, descer drasticamente a sua qualidade, sul-americanizando-se - isto é, ficando apenas para os mais pobres e matando todos os sonhos (e exigências!) de promoção social. Utilizando a célebre expressão de Warren Buffet, o governo Passos Coelho, mais do que concretizar os seus fétiches liberais, deve promover a escola pública como nenhum outro governo o fez, para que a educação não seja um privilégio do "esperma feliz" (dos portugueses que nascem em famílias ricas). Esperemos que essa não seja a ideia de Nuno Crato - converter a educação em algo reservado ao "esperma feliz", aos que mais têm e, por conseguinte, mais facilidade revelam no acesso à educação."
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