"Acordo ortográfico e bocejo...
Com a adopção do novo acordo ortográfico a bagunça está instalada . Na mesma escola e na mesma turma, o mesmo professor, permite a utilização das duas grafias no mesmo teste. E valoriza ou desvaloriza o que bem lhe aprouver, o que se reflecte na avaliação de cada aluno.
A mãe de uma aluna do segundo ano proibiu a filha de aprender a ler a escrever segundo as normas do novo acordo ortográfico. A encarregada de educação, médica de profissão, considera, numa extensa carta ao ministro da Educação, que o novo acordo é baseado em diplomas hierárquica e constitucionalmente incompetentes para revogar decretos-lei vinculativos que impõem a norma ortográfica de 1945.
Já se gastaram rios de tinta na discussão do novo acordo. Não vou entrar nela. Circula por aí, em artigos de opinião, muita divergência assumida, pior ou melhor estribada. A uniformização pretendida, nomeadamente entre as Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, gorou-se.
Um dos mais aguerridos oponentes ao acordo ortográfico, Vasco Graça Moura, já o proibiu no seu Centro Cultural de Belém. Sabemos também que o coleccionador Berardo, também não precisa de acordos para se expressar, com elegância e erudição, na sua língua materna madeirense. Precisa é de euros, e muitos, para continuar a armazenar junto aos Jerónimos a sua arte.
O Brasil, um enorme e apetecível mercado editorial já se marimbou para o acordo ortográfico, assumindo sozinho o seu "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa". Lá vamos de ter de vender um livrito ou outro numa grafia bizarra acordada. Os leitores irmãos que se amanhem.
Os meios de comunicação social sempre muito abertos à modernidade, na sua grande maioria, adoptaram o novo acordo. Mas não têm outra alternativa senão inserir, nas suas páginas, centenas de textos arcaicos saídos da pena de cronistas empedernidos. E imaginamos a angústia do copydesk (se ainda existir) ante o caracter a causar má impressão.
Os dedinhos, os meus, empurram-me ostensivamente para escrever em obsoleta ortografia. Como nasci depois de 1945, vejo-me constrangido a respeitar, até ver, a voz dos meus egrégios avós. E lá vou escrevendo, bem ou mal, como aprendi com o meu professor Andrade, em cima do estrado, a esconder com o seu corpanzil o crucifixo e os retratos de Thomaz e Salazar pendurados na parede. Aprendi, estes últimos, a não admirá-los. O primeiro, a respeitar, embora a frouxa fé deva soçobrar à primeira leitura da Bíblia, imposta pelo novo testamento do "Priberam". Se o conversor "Lince" não consegue converter muita gente, porque hei-de manter-me converso. E não converso mesmo sobre o acordo.
O que sei, e isto, é outra conversa, é que com a adopção do novo acordo ortográfico a bagunça está instalada nas escolas. Na mesma escola e na mesma turma, o mesmo professor, permite a utilização das duas grafias no mesmo teste. E valoriza ou desvaloriza o que bem lhe aprouver, o que se reflecte na avaliação de cada aluno.
E não é só na disciplina de Língua Portuguesa. Em quase todas as outras disciplinas, a dúvida está firmada e não há autoridade ortopédica que nos valha. Digo ortopédica, e não ortográfica, porque o chamado "pontapé na gramática", que outrora magoava, agora passa a ser mais difícil de diagnosticar.
Não há nada pior para a aprendizagem de um aluno do que escrever certo ou errado, segundo critérios aleatórios, que não foram ponderados na sua aplicação prática, nem testados cientificamente, em devido e longo tempo.
O acordo precisa do acordo dos académicos e de nós utentes da língua que só somos convocados para assentir de bico calado. A carta desta mãe nem sei se vai ser lida por quem deve e muito. Desconfio que infelizmente perdeu muito do seu precioso tempo e deixou um problema linguístico para a filha de sete anos resolver em classe.
Brinquemos pois, em desacordo, ao acordo. Pela minha parte quando acordo, ortográfico, bocejo torto e bem sonoro. Tento resistir a curvar-me perante o endireita... se a coluna, ortográfica, o permitir."
Abraço!
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