domingo, 10 de abril de 2011

Uma factura pior do que a do FMI...

“Governo poupou na Educação… vamos pagar fatura muito pesada”
Nuno F. Santos - Educare

O secretário-geral da FNE fala das razões da contestação, do acordo com o ME e das prioridades reivindicativas. Mais. João Dias da Silva diz o que a FNE vai fazer mesmo antes das eleições legislativas junto dos partidos políticos e não se escusa a abordar a crise e a poupança... no setor errado.

A Federação Nacional da Educação espera a decisão do Presidente da República no que toca à constitucionalidade do diploma que revogou o modelo de avaliação de desempenho. Um modelo que tanto protesto causou e ainda causa no seio dos professores.

E: Desde as grandes contestações contra a política liderada por Maria de Lurdes Rodrigues até à atual ministra da Educação num quadro de um Governo de gestão, Isabel Alçada, são mais, ou menos, as razões da insatisfação?

João Dias da Silva: As razões da insatisfação são outras. Conseguimos eliminar aquilo que realmente eram fatores de perturbação e que era a divisão dos professores em duas categorias. Conseguimos estabelecer algumas fórmulas para fazer com que as pessoas tivessem mais atrativa a profissão só que, em cima dessas decisões veio a crise e veio a forma atabalhoada como o Governo respondeu à crise, fazendo com que a mesma seja resolvida através dos bolsos daqueles que lhe estão mais à mão: os trabalhadores da administração pública, em geral, e dos professores em particular, diminuindo-lhes os salários e reduzindo a formação das condições para a qualidade do sistema educativo. Nós consideramos que não faz mal nenhum que se racionalize o sistema e se procure ter soluções mais racionais, mais equilibradas na gestão dos recursos da Educação. Agora, daí não pode resultar é o abaixamento da qualidade da Educação.


"Poupar na Educação pode vir a ter fatura pesada"

E: Concretamente...

JDS: Concretamente aquilo que em muitas medidas o Governo anunciou e colocou em marcha, como a fusão de agrupamentos excessivamente grandes, a atabalhoada reforma curricular que fez, a forma de organização do tempo de trabalho dos professores, o fim da área de projeto e da área escola... tudo feito em prejuízo dos alunos, do tempo em que os alunos estão acompanhados educativamente dos professores. Estas medidas significaram que, para poupar, o Governo diminuiu o tempo em que as crianças e os jovens têm de acompanhamento assegurado por educadores e por professores. Isto pode ter um efeito prático imediato de poupança, mostrando que se consegue poupar dinheiro através de medidas desta natureza. O impacto no futuro em termos de qualidade é que há de corresponder a uma fatura extremamente pesada que vamos ter de pagar para contrabalançar as perdas destas medidas.

E: Quer dizer que o Governo fez as opções erradas na Educação...

JDS: Durante muitos anos, em Portugal não se investiu na alfabetização; Durante muitos anos, em Portugal, ao contrário do que acontecia nos outros países, não se investiu numa escolaridade básica obrigatória mínima ou de dimensão adequada. Sempre poupámos na Educação e o que isto significou é que Portugal era nos anos setenta do século passado o País com mais elevadas taxas de analfabetismo, com taxas incompreensíveis de frequência da escola e, portanto, essa fatura teve de ser paga depois em investimento muito forte da área da Educação. Agora, o Governo quis voltar a poupar, no tempo em que as crianças e os jovens são acompanhados por educadores e professores... a fatura que vai ficar para pagar em termos de crescimento e desenvolvimento vai ser extremamente pesada e não faz sentido que estas tenham vindo a ser as medidas escolhidas para resolver os problemas de défice e os problemas orçamentais do Estado.


"Professores têm direito a ter vida pessoal"

E: Neste momento, perante a atual situação política, quais são as prioridades da FNE... Elas mudam tendo essa crise em conta?

JDS: As prioridades da FNE são as prioridades dos professores.... E dos trabalhadores não docentes das escolas. E essas prioridades têm a ver com a compreensão que as pessoas têm de que não podemos estar a fazer crescer despesa em Educação. Podemos rentabilizar melhor a gestão do dinheiro que temos para a Educação. Em termos de futuro imediato há questões concretas profissionais que têm a ver com as condições de trabalho dos professores. E é preciso garantir que aos professores são reconhecidos direitos essenciais como, por exemplo, terem vida pessoal. E aquilo que se está a fazer é continuar uma lógica de crescimento de burocracia, de papéis, de conceções meramente administrativas para funcionamento das escolas que são apenas sinais da desconfiança da administração em relação aos professores. O ainda e atual modelo de avaliação de desempenho, a forma como está a ser concretizado... na nossa perspetiva está a ser concretizado de uma forma errada e que não corresponde àquilo que foi o acordo que celebrámos no dia 8 de janeiro do ano passado. É o sinal claro de que estamos a dar mais importância àquilo que é a papelada e àquilo que é menos importante do que àquilo que é mais importante e que é o trabalho que o professor faz. Aquilo que nós temos hoje, o trabalho que os professores têm de fazer nas escolas, como o registo daquilo que fazem, é como o apontador de obra que está a cada minuto a cada meia hora a assinalar o trabalho que faz. Isto é inaceitável que aconteça, e o Ministério da Educação, que é o regulador do sistema educativo, não pode assobiar para o lado, fazer de conta que esta insatisfação não existe e não pode deixar de promover medidas que façam com que este desmesurado peso administrativo e burocrático continue a massacrar os professores no seu dia a dia.


"Sindicatos têm de se atualizar"

E: Assistimos recentemente a uma manifestação apartidária que juntou cerca de 200 mil pessoas em todo o País. Não houve intervenção nem organização dos sindicatos... e quer a FNE quer a FENPROF são filiadas em centrais sindicais afetas a alguns partidos políticos. Podem os sindicatos perder força?

JDS: Os sindicatos não podem deixar de se atualizar. Mal irão os sindicatos que continuem a pensar que as lógicas de intervenção do passado devem continuar sem mudança. E é fundamental que os sindicatos atualizem a sua forma de intervenção. É fundamental que as pessoas sintam que a voz dos dirigentes sindicais corresponde àquilo que são os seus anseios, os seus problemas, as suas dificuldades. E isso passa por uma mudança eventual do quadro reivindicativo e formas de chegada às pessoas. Aquilo que era funcional no movimento sindical e que funcionava até agora, precisa de reflexão e de mudança. Mas nós não podemos passar o tempo todo a refletir para mudar, temos de, muito rapidamente, perceber o que é que o movimento sindical nacional e internacional deve fazer para estar próximo das pessoas, para reforçar a sua proximidade em relação às pessoas. As pessoas não podem dizer nem sentir que os sindicatos não estão próximos dos seus problemas.

Respeitar as dúvidas do PR em relação à revogação da avaliação de desempenho

E: Depois da revogação do atual modelo de avaliação de desempenho na Assembleia da República, o que lhe parece que será o futuro a curto e médio prazo? E o que fará a FNE?

JDS: Entendemos que não há razões de ordem constitucional que possam fazer com que não seja válida a deliberação da Assembleia da República para revogar a forma como a avaliação de desempenho estava a decorrer. O Presidente da República, no exercício das suas funções, tem toda a legitimidade para ter dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma e nós respeitamos esta prorrogativa presidencial. Esperamos serenamente uma decisão que corresponda aos nossos objetivos e que garanta que a norma não venha a sofrer de problemas futuros quanto à sua legalidade. Com a marcação de eleições antecipadas, impõe-se-nos a tarefa de ir junto dos partidos políticos e expor-lhes as nossas preocupações e as nossas propostas. E é o que faremos logo depois de aprovarmos a nossa proposta de Roteiro para a Legislatura, o que ocorrerá na reunião do Secretariado Nacional da FNE a 12 de abril, em Lisboa."

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